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Curso seguido pela primeira viagem de Cristóvão Colombo. |
Confira a seguir os relatos do primeiro Europeu a cruzar o atlântico e que acidentalmente descobriu o "novo mundo".
Sexta-feira, 3 de agosto:
– Partimos quinta-feira, aos 3 dias de agosto de 1492, da barra de Saltes, às oito horas. Avançamos umas sessenta milhas, com grande exaltação até o pôr-do-sol, em direção ao sul, o que vem a dar quinze léguas; depois a sudoeste e, ao sul, quarta do sudoeste, que era o caminho para as Canárias.
Sábado, 4 de agosto:
– Avançamos, a sudoeste, quarta do sul.
Domingo, 5 de agosto:
– Avançamos, sempre na rota, entre dia e noite, mais de quarenta léguas.
Segunda-feira, 6 de agosto:
– Quebrou-se ou despregou-se o leme da caravela Pinta, que levava Martín Alonso Pinzón, o que se acreditou ou desconfiou ter sido obra de um certo Gomes Rascón e Cristóbal Quintero, a quem pertencia a caravela, porque lhe causava mágoa vê-la seguir nessa viagem; e diz o almirante que, antes da partida, haviam achado escondidos, à socapa, como se diz, os ditos cujos. Viu-se aí o Almirante presa de grande perturbação por não poder ajudar essa caravela sem expor-se a perigos e disse que lhe causava pena, pois sabia que Martín Alonso Pinzón era pessoa esforçada e de grande habilidade. No fim percorreram, entre dia e noite, vinte e nove léguas.
Terça, 7 de agosto:
– Quebrou-se de novo o leme da Pinta e, depois de consertado, prosseguiram no rumo da ilha Lanzarote, que é uma das Canárias, e percorreram, entre dia e noite, vinte e cinco léguas.
Quarta, 8 de agosto:
– Houve, entre os pilotos das caravelas, opiniões divergentes a respeito do lugar onde se encontravam, e o Almirante chegou mais perto da verdade; e gostaria de ir até à Grande Canária para deixar a caravela Pinta, que ia mal provida de leme e vazando água, e também gostaria de trocá-la por outra, se acaso encontrasse. Mas naquele dia não foi possível.
Quinta, 9 de agosto:
– Até domingo à noite o Almirante não pôde atracar na Gomera e Martín Alonso ficou naquela costa da Grande Canária por ordem do Almirante, pois não podia navegar. Depois o Almirante atracou na Canária (ou na Tenerife), e consertaram muito bem a Pinta, com grande trabalho e esforços do Almirante, de Martín Afonso e dos demais; e por fim vieram para a Gomera. Avistaram as chamas de
um vasto incêndio na serra da ilha de Tenerife, que impressiona pela imponência e altitude. Fizeram a
Pinta redonda, por ter vela triangular; regressou à Gomera no domingo, 2 de setembro, com a
Pinta consertada. Finalmente, o Almirante içou velas na referida ilha da Gomera com suas três caravelas na quinta-feira, aos 6 dias de setembro.
Quinta, 6 de setembro:
– Partiu nesse dia de manhã do porto da Gomera e descreveu uma volta para prosseguir em sua viagem. E soube o Almirante, de uma caravela que vinha da ilha de Ferro, que por ali andavam três outras, portuguesas, para capturá-lo: a causa provável seria a inveja de El-Rei por ele ter ido para Castela. E enfrentou calmaria durante todo o dia e noite, e na manhã seguinte verificou que estava entre Gomera e Tenerife.
Sexta, 7 de setembro:
– Toda a sexta-feira e o sábado, até às três horas da madrugada, ficou em calmaria.
Sábado, 8 de setembro:
– Às três da madrugada de sábado começou a ventar do nordeste, e retomou seu rumo a caminho do oeste. Encontrou muito mar pela proa, o que estorvava imensamente a manutenção da rota; e nesse dia percorreria nove léguas, incluindo a noite.
Domingo, 9 de setembro:
– Percorreu, nesse dia, dezenove léguas, e resolveu contar as que percorria, para que, se a viagem fosse longa, não se espantasse nem se estarrecesse ninguém. De noite percorreu cento e vinte milhas, o que equivale a trinta léguas Os marinheiros estavam pilotando mal, desviando-se para a quarta de nordeste, e ainda em meia partida: por isso o Almirante muitas vezes chamou-lhes a atenção.
Segunda, 10 de setembro:
– Entre o dia e a noite, percorreu sessenta léguas, a dez milhas por hora, o que vem a dar duas léguas e meia; mas só registrava quarenta e oito, para que ninguém se assustasse se a viagem fosse longa de manhã, só faltava ouvir rouxinóis. Diz ele: E o tempo era igual ao de abril na Andaluzia. Aqui começaram a ver muitos molhos (manchas?) de algas bem verdes que havia pouco, conforme lhe pareceu, se tinham despregado da terra, e por isso todos julgavam estar perto de alguma ilha; mas não da terra firme, segundo o Almirante, que diz: Porque a terra firme vamos encontrar mais adiante.
Segunda, 17 de setembro:
– Navegou na rota do oeste e percorreram, entre a noite e o dia, mais de cinqüenta léguas.
Anotou apenas quarenta e sete. A corrente lhes foi favorável. Viram muitas algas e com freqüência, e eram de rochedos e provenientes do lado do Poente. Acreditavam estar próximos da terra. Seguiram os pilotos rumo ao norte, marcando na bússola, e acharam que os ponteiros indicavam noroeste numa grande quarta, e os marinheiros começaram a sentir medo, a ficar melancólicos e sem dizer por quê. O Almirante entendeu; determinou que voltassem a marcar o norte ao amanhecer e acharam que os ponteiros estavam bons. O motivo foi porque a estrela, em vez dos ponteiros, dá impressão de se deslocar no firmamento. Ao amanhecer, nesta segunda-feira, viram quantidade bem maior de algas e que pareciam ser provenientes de rios, nas quais encontraram um caranguejo vivo, que o Almirante guardou. Consta que esses são sinais certos de terra, porque não se acham a menos de oitenta léguas da costa. A água do mar estava menos salgada desde que partiram das Canárias; o clima, sempre mais brando. Sentiam-se todos muito contentes e os navios que mais podiam avançar se esforçavam para serem os primeiros a avistar terra. Viram muitas toninhas e os tripulantes da Niña pegaram uma. Diz aqui o Almirante que são sinais do Poente, “onde confio que
esse Deus supremo, de cujas mãos dependem todas as vitórias, muito em breve nos dará terra”. Hoje de manhã diz que viu uma ave branca chamada “rabo-de-palha”, que não costuma pernoitar no mar.
Terça, 18 de setembro:
– Navegou, entre dia e noite, mais de cinqüenta e cinco léguas, mas só registrou quarenta e oito. O mar, durante todos esses dias, esteve muito tranqüilo, como o rio em Sevilha. Neste dia, Martín Alonso, com a Pinta, que é muito veloz, não esperou, porque disse ao Almirante, lá de sua caravela, que tinha visto uma grande revoada de aves rumando para o Poente e que à noite esperava avistar terra e por isso queria se apressar. Apareceu do lado norte uma espessa cerração, o que indica vizinhança de terra.
Quarta, 19 de setembro:
– Navegou na rota, e entre dia enoite percorreram vinte e cinco léguas, pois encontraram calmaria. Anotou vinte e duas. Neste dia, às dez horas, um alcatraz sobrevoou a nau e de tarde avistaram outro, e é pássaro que não costuma afastar-se vinte léguas da terra. Surgiram alguns chuvisqueiros sem vento, o que é indício seguro de terra. O Almirante não quis parar a barlavento para confirmar essa hipótese; ficou, porém, absolutamente certo de que, no lado do norte e do sul, havia algumas ilhas, como mais tarde se comprovou, e de que estava passando pelo meio delas. Porque a sua vontade era de agora seguir adiante até as Índias para aproveitar o bom tempo, e porque isso, se aprouvesse a Deus, permitiria que na volta vissem tudo: foram essas as suas palavras... Aqui os pilotos descobriram suas posições: a Niña achava-se a quatrocentas e quarenta léguas das Canárias; a Pinta, a quatrocentas e vinte; e a que levava o Almirante, a quatrocentas justas.
Quinta, 20 de setembro:
– Navegou neste dia rumo a oeste quarta do noroeste e à meia partida, porque muitos
ventos foram embora com a calmaria que fez. Percorreram sete ou oito léguas. Dois alcatrazes sobrevoaram a nau, indício de proximidade de terra; e viram muitas algas, embora na véspera não tivessem visto nenhuma. Pegaram um pássaro com a mão, e parecia uma gralha; era pássaro de rio e não de mar: tinha as patas feito gaivota. Ao amanhecer, vieram até o navio dois ou três passarinhos de terra cantando, e depois, antes de raiar o sol, desapareceram. Aí sobreveio outro alcatraz: vinha do oeste-noroeste, porque essas aves dormem na terra e de manhã vão para o mar à cata de alimento, e não se afastam mais de vinte léguas.
Sexta, 21 de setembro:
– Hoje encontrou-se quase só calmaria com, mais tarde, um pouco de vento. Entre o dia e a
noite, avançando a duras penas, percorreram treze léguas. Ao amanhecer encontraram tantas algas que dir-se-ia que o mar estava atulhado delas, e vinham do oeste. Viram um alcatraz. O mar muito liso, como um rio, e o ar mais puro do mundo. Avistaram uma baleia, o que é sinal de proximidade de terra, porque elas sempre andam por perto da costa.
Sábado, 22 de setembro:
– Navegou mais ou menos a oeste-noroeste, deslocando-se para um e outro lado. Percorreram trinta léguas. Quase não viram algas. Surgiram uns pintarroxos e outra ave. Diz aqui o Almirante: Muito me ajudou esse vento contrário, porque a minha tripulação andava bastante irritada, pensando que estes mares não fossem varridos por ventos para voltar para a Espanha. Durante uma parte do dia não apareceram algas; depois, em grande quantidade.
Domingo, 23 de setembro:
– Navegou a noroeste, às vezes à quarta do norte e outras mantendo-se na rota, que era a oeste, e percorreu vinte e duas léguas. Viram uma rola e um alcatraz, e um passarinho de rio e outras aves brancas. Havia algas em profusão, cheias de caranguejos. E, como o mar estivesse manso e liso, a tripulação murmurava, dizendo que não havia dúvida de que ali o mar não era grande e que nunca ventaria o suficiente para voltar para a Espanha; mas depois o mar encrespou-se muito, e sem vento, o que os assombrou, e por isso diz aqui o Almirante: De modo que me foi bem providencial o mar alto, que não aparecia, a não ser no tempo dos hebreus, quando fugiram do Egito liderados por Moisés, que os tirou do cativeiro.
Segunda, 24 de setembro:
– Navegou dia e noite, mantendo-se na rota do oeste, e percorreram quatorze léguas e meia. Registrou doze. Um alcatraz veio até ao navio e também vieram muitos pintarroxos.
Terça, 25 de setembro:
– Hoje reinou grande calmaria e depois vento; e seguiram na rota do oeste até à noite. O Almirante ia falando com Martín Alonso Pinzón, comandante da Pinta, a respeito de um mapa que lhe havia mandado três dias antes para a caravela, onde, ao que parece, o Almirante tinha desenhado algumas ilhas naquele mar. E dizia Martín Alonso que achavam que estavam naquela região, e o Almirante também concordou; mas que, como não tinham dado com elas, isso devia ser por causa das correntes, que sempre levavam os navios para nordeste e que, portanto, não haviam navegado tanto como os pilotos pretendiam. E, estando a situação nesse pé, pediu o Almirante que lhe devolvesse o tal mapa. E, enviado por uma corda, começou o Almirante a examiná-lo com o piloto e os marinheiros. Ao pôr-do-sol, Martín Alonso subiu à popa de seu navio e, com grande alegria, chamou o Almirante, pedindo-lhe alvíssaras, pois via terra. E, ao ouvir a confirmação, o Almirante diz que se pôs a render graças a Nosso Senhor de joelhos, enquanto Martín Alonso proclamava Gloria in excelsis Deo com a tripulação. No que foram imitados pela do Almirante; e os da Niña subiram todos ao mastro e na enxárcia, gritando terra à vista. E assim também pareceu ao Almirante e que faltavam 25 léguas para alcançá-la. Ficaram todos afirmando até à noite que era terra. O Almirante ordenou que se trocasse a rota, que seria para o oeste, e que fossem todos para o sudoeste, onde havia aparecido terra. Teriam percorrido neste dia quatro léguas e meia a oeste e, de noite, a sudoeste, dezessete léguas, portanto vinte e uma, embora indicasse treze à tripulação, pois sempre fingia diante deles que percorriam pouco caminho, para que não lhes parecesse longo; e assim descreveu essa viagem de duas maneiras: a menor foi a falsa, e a maior a verdadeira. O mar estava tão liso que muitos marinheiros se puseram a nadar. Viram muitos dourados e outros peixes.
Quarta, 26 de setembro:
– Navegou na sua rota para o oeste até depois do meio-dia. Aí desviaram para sudoeste e perceberam que o que se dizia que tinha sido terra não era, e sim céu. Percorreram, entre dia e noite, trinta e uma léguas, mas contou vinte e quatro para a tripulação. O mar estava então feito um rio; o ar, doce e suavíssimo.
Quinta, 27 de setembro:
– Navegou na sua rota para o oeste. Percorreu, entre dia e noite, vinte e quatro léguas; contou vinte para a tripulação. Surgiram vários dourados; mataram um. Viram um rabo-de-palha.
Sexta, 28 de setembro:
– Navegou na sua rota para o oeste, percorreram dia e noite, com calmaria, quatorze léguas; contou treze. Acharam poucas algas. Pegaram dois peixes dourados, mas os outros navios tiveram mais sorte.
Sábado, 29 de setembro:– Navegou na sua rota para o oeste. Percorreram vinte e quatro léguas; contou vinte e uma para a tripulação. Devido às calmarias encontradas, pouca distância percorreram entre dia e noite. Viram uma ave que se chama pelicano, que só se alimenta com o que os alcatrazes são forçados por ela a vomitar. É ave do mar, mas não pousa n’água nem se afasta a mais de vinte léguas da terra. Há muitas desse tipo na ilha de Cabo Verde. Depois vieram dois alcatrazes. O ar é muito doce e gostoso, até parece que só falta ouvir um rouxinol, e o mar liso feito um rio. Apareceram depois, em três ocasiões, três alcatrazes e um pelicano. Viram muitas algas.
Domingo, 30 de setembro:
– Navegou na sua rota para o oeste. Percorreu, entre dia e noite, por causa da calmaria, quatorze léguas; anotou onze. Vieram até o navio quatro rabos-de-palha, o que é grande sinal de terra, pois tantas aves da mesma espécie juntas significa que não andam extraviadas nem perdidas. Viram-se quatro alcatrazes em duas oportunidades. Algas, muitas. Repara que as estrelas da constelação da Ursa Menor, quando anoitece, estão junto ao braço do lado do poente e, quando amanhece, passam para a linha abaixo do braço a nordeste, dando impressão de que, durante toda a noite, percorrem apenas três linhas, o que equivale a nove horas, e isso a cada noite: é o que diz aqui o Almirante. Também ao anoitecer os ponteiros da bússola indicam uma quarta a noroeste e, ao amanhecer, estão em linha reta com a estrela; ao que parece, a estrela se desloca como as outras; e os ponteiros reve-
lam sempre a verdade.
Segunda, 1 de outubro:
– Navegou na sua rota para o oeste. Percorreram vinte e cinco léguas; contou vinte para a tripulação. Enfrentaram forte chuvarada. O piloto do Almirante estava hoje, ao amanhecer, com medo de já terem percorrido, desde a ilha de Ferro até aqui, quinhentas e sessenta e oito léguas para o oeste. A conta menor que o Almirante mostrava à tripulação era de quinhentas e oitenta e quatro
léguas; mas a verdadeira, que o Almirante calculava e escondia, era de setecentas e sete.
Terça, 2 de outubro:
– Navegou na sua rota para o oeste, noite e dia, trinta e nove léguas; contou cerca de trinta para a população. O mar, sempre liso e bom. A Deus muitas graças sejam louvadas, disse aqui o Almirante. As algas, ao contrário do costume, vinham de leste para oeste. Surgiram muitos peixes; matou-se um. Viram uma ave branca que parecia uma gaivota.
Quarta, 3 de outubro:
– Navegou na sua rota de sempre. Percorreram quarenta e sete léguas; contou quarenta para a tripulação. Apareceram pintarroxos, muitas algas, algumas já velhas e outras bem novas, trazendo uma espécie de fruta; e não viram ave nenhuma. O Almirante achava que atrás ficavam as ilhas que trazia desenhadas no mapa. Diz aqui o Almirante que não quis parar a barlavento na semana passada e nesses dias em que havia tantos indícios de terra, mesmo tendo conhecimento de ilhas nessa região, para não perder tempo, pois o seu objetivo era chegar às Índias; e, se parasse, diz que não seria prudente.
Quinta, 4 de outubro:
– Navegou na sua rota para o oeste. Percorreram, entre dia e noite, sessenta e três léguas; contou quarenta e seis para a tripulação. Vieram mais de quarenta pintarroxos juntos e dois alcatrazes até ao navio, sendo que um recebeu uma pedrada de um marinheiro da caravela. Sobrevoaram a nau um joão-grande e uma ave branca que nem gaivota.
Sexta, 5 de outubro:
– Navegou na sua rota. Percorreram onze milhas por hora. Entre a noite e o dia percorreram cinqüenta e sete léguas, porque o vento diminuiu um pouco durante a noite; contou quarenta e cinco para a tripulação. O mar em bonança e liso. A Deus – diz – muitas graças sejam dadas. O ar, muito doce e temperado; algas, nenhuma; pintarroxos, muitos; várias andorinhas-do-mar passaram voando sobre a nau.
Sábado, 6 de outubro:
– Navegou na sua rota para sueste ou oeste, que dá no mesmo. Percorreram quarenta léguas entre dia e noite; contou trinta e três para a tripulação. Nesta noite Martín Alonso disse que seria bom navegar à quarta do oeste, para o lado do sudoeste; e pareceu ao Almirante que Martín Alonso não dizia isso por causa da ilha de Cipango, e o Almirante achava que se se enganassem não poderiam tão cedo encontrar terra e que era preferível primeiro procurar terra firme e depois as ilhas.
Domingo, 7 de outubro:– Navegou rumo a oeste; percorreram doze milhas por hora durante duas horas, depois oito, fazendo, até à uma hora da tarde, vinte e três léguas. Contou dezoito para a tripulação. Neste dia, ao nascer do sol, a caravela Niña, que ia na frente por ser mais veloz, e se apressava ao máximo para ser a primeira a ver terra, a fim de gozar dos favores prometidos pelos monarcas aos primeiros que a vissem, içou uma bandeira no alto do mastro e disparou uma bombarda como sinal de que a tinham enxergado por fim, porque assim determinara o Almirante. Havia também determinado que ao nascer e ao pôr do sol se juntassem todos os navios com o dele, porque essas duas ocasiões são mais propícias para que os humores se disponham a ver mais longe. Como à tarde não enxergassem a terra que os da caravela Niña julgavam ter visto e porque passava uma grande revoada de aves do lado do norte para o sudoeste (levando a crer que iam dormir em terra ou talvez fugissem do inverno, que nas terras de onde vinham decerto estava por chegar, pois o Almirante sabia que a maioria das ilhas pertencentes aos portugueses foram descobertas pelas aves), o Almirante, por isso, concordou em deixar a rota do oeste e virar a proa para sudoeste, com a determinação de viajar dois dias naquele rumo. Isso começou uma hora antes do pôr-do-sol. Percorreram, em toda a noite, cerca de cinco léguas, e 23 durante o dia. Foram, ao todo, 28 léguas.
Segunda, 8 de outubro:
– Navegou a oés-sudoeste e fizeram entre dia e noite onze léguas e meia ou doze, e às vezes parece que percorreram durante a noite quinze milhas por hora, se a letra não mente. Encontraram o mar feito o rio de Sevilha; graças a Deus, diz o Almirante. O ar, dulcíssimo, como em abril em Sevilha, que dá prazer respirá-lo, de tão perfumado que é. As algas pareciam bem novas; muitos passarinhos como os do campo; e conseguiram pegar um que ia fugindo para o sudoeste, gralhas e gansos, e um alcatraz.
Terça, 9 de outubro:
– Navegou para o sudoeste. Percorreu cinco léguas; o vento mudou e soprou para o oeste quarta a noroeste, e fez quatro léguas. Depois, ao todo, onze léguas de dia e as da noite, vinte léguas e meia. Contou dezessete para a tripulação. A noite inteira escutaram revoadas de pássaros.
Quarta, 10 de outubro:– Navegou para oés-sudoeste. Percorreram, a dez milhas por hora e às vezes doze e até sete, e entre dia e noite, cinqüenta e nove léguas. Contou apenas quarenta e quatro para a tripulação. Aqui os marinheiros já não agüentavam mais; queixavam-se da longa viagem. O Almirante, porém, incentivou-os o quanto pôde, dando-lhes boa esperança das vantagens que poderiam obter. E acrescentou que não adiantava se queixarem, pois que ele tinha vindo para as Índias e que assim haveria de prosseguir até encontrá-las com a ajuda segura de Nosso Senhor.
Quinta, 11 de outubro (a chegada):– Navegou para oés-sudoeste. Enfrentaram muito mar e mais do que em toda a viagem haviam enfrentado. Viram pintarroxos e um junco verde junto à nau. Os tripulantes da caravela Pinta viram um talo de cana-de-açúcar e um pedaço de pau, e apanharam outro pauzinho lavrado semelhante a uma barra de ferro, e um talo de cana e outra erva que brota em terra e uma tabuinha. Os da caravela Niña também viram outros indícios de terra e um pauzinho coberto de caramujos. Diante desses sinais, todos respiraram e se alegraram. Percorreram neste dia, até o pôr-do-sol, vinte e sete léguas. Depois que anoiteceu voltou a navegar na sua primeira rota para o oeste; fizeram doze milhas por hora; e até às duas da madrugada percorreriam mais noventa, o que equivale a vinte e duas léguas e meia. E por ser a caravela Pinta a mais veloz e ir na frente do Almirante, achou terra e fez os sinais pedidos pelo Almirante. Quem primeiro enxergou foi um marinheiro que se dizia chamar Rodrigo de Triana; aí então o Almirante, às dez da noite, estando no castelo da popa, distinguiu luz, embora fos-
se tão débil que não quis afirmar que fosse terra; mas chamou Pedro Gutiérrez, incumbido de armar estrados para El-Rei, e disse-lhe que parecia luz, e que olhasse, o que ele fez e viu; disse também a Rodrigo Sánchez de Segovia, que El-Rei e a Rainha enviavam na armada como inspetor, que nada viu porque não estava em posição de poder ver. Depois que o Almirante lhe disse, vislumbrou, uma ou duas vezes, o que mais parecia uma velinha de cera que se levantava e sacudia, e que bem poucos interpretaram como sinais de terra. O Almirante, porém, tinha certeza de que era. Por isso, quando rezaram a Salve, que todos os marinheiros costumavam dizer e cantar à sua maneira, e estavam todos reunidos, o Almirante pediu e aconselhou a que montassem guarda no castelo de proa, e olhassem bem à procura de terra, e que ao primeiro que lhe dissesse que enxergava, lhe daria prontamente um gibão de seda, sem os outros favores que os monarcas tinham prometido, que eram dez mil maravedis de juro ao primeiro que enxergasse. Às duas horas da madrugada surgiu terra, da qual estariam a apenas duas léguas de distância.
Arriaram todas as velas e ficaram só com a da popa, que é a grande sem suplementares, e puseram-se à capa, contemporizando até a sexta-feira, quando chegaram a uma ilhota dos Lucaios, que em língua de índios se chamava “Guanahani”. Logo apareceu gente nua, e o Almirante saiu rumo à terra no barco armado, com Martín Alonso Pinzón e Vicente Anés (Vicente Yánez), seu irmão, e comandante da Niña. O Almirante empunhou a bandeira real e os comandantes as duas bandeiras da Cruz Verde, que o Almirante levava como emblema em todos os navios, com um F e um Y: por cima de cada letra, a respectiva coroa, a primeira feita de um cabo da cruz e a segunda do outro. Ao desembarcar viram árvores muito verdes, muitas águas e frutas de várias espécies. O Almirante chamou os dois comandantes e demais acompanhantes, e Rodrigo de Escovedo, escrivão de toda a armada, e Rodrigo Sánchez de Segovia, e pediu que lhe dessem por fé e testemunho como ele, diante de todos, tomava, como de fato tomou, posse da dita ilha em nome de El-Rei e da Rainha, seus soberanos, fazendo os protestos que se requeriam, como mais extensamente se descreve nos testemunhos que ali se procederam por escrito. Logo viram-se cercados por vários habitantes da ilha. O que se segue são palavras textuais do Almirante, em seu livro sobre a primeira viagem e descobrimento dessas índias: “Eu – diz ele –, porque nos demonstraram grande amizade, pois percebi que eram pessoas que melhor se entregariam e converteriam à nossa fé pelo amor e não pela força, dei a algumas delas uns gorros coloridos e umas miçangas que puseram no pescoço, além de outras coisas de pouco valor, o que lhes causou grande prazer e ficaram tão nossos amigos que era uma maravilha. Depois vieram nadando até os barcos dos navios onde estávamos, trazendo papagaios e fio de algodão em novelos e lanças e muitas outras coisas, que trocamos por coisas que tínhamos conosco, como miçangas e guizos. Enfim, tudo aceitavam e davam do que tinham com a maior boa vontade. Mas me pareceu que era gente que não possuía praticamente nada. Andavam nus como a mãe lhes deu à luz; inclusive as mulheres, embora só tenha visto uma robusta rapariga. E todos os que vi eram jovens, nenhum com mais de trinta anos de idade: muito bem-feitos, de corpos muito bonitos e cara muito boa; os cabelos grossos, quase como o pêlo do rabo de cavalos, e curtos, caem por cima das sobrancelhas, menos uns fios na nuca que mantêm longos, sem nunca cortar. Eles se pintam de preto, e são da cor dos canários, nem negros nem brancos, e se pintam de branco, e de encarnado, e do que bem entendem, e pintam a cara, o corpo todo, e alguns somente os olhos ou o nariz. Não andam com armas, que nem conhecem, pois lhes mostrei espadas, que pegaram pelo fio e se cortaram por ignorância. Não têm nenhum ferro: as suas lanças são varas sem ferro, sendo que algumas têm no cabo um dente de peixe e outras uma variedade de coisas. Todos, sem exceção, são de boa estatura, e fazem gesto bonito, elegantes. Vi alguns com marcas de ferida no corpo e, por gestos, perguntei o que era aquilo e eles, da mesma maneira, demonstraram que ali aparecia gente de outras ilhas das imediações com a intenção de capturá-los e então se defendiam. E eu achei e acho que aqui vêm procedentes da terra firme para levá-los para o cativeiro. Devem ser bons serviçais e habilidosos, pois noto que repetem logo o que a gente diz e creio que depressa se fariam cristãos; me pareceu que não tinham nenhuma religião. Eu, comprazendo a Nosso Senhor, levarei daqui, por ocasião de minha partida, seis deles para Vossas Majestades, para que aprendam a falar. Não vi nesta ilha nenhum animal de espécie alguma, a não ser papagaios”. Todas as palavras que acabo de transcrever são do Almirante e nelas se refletem as impressões que colheu no primeiro contato com os índios.
Colombo chegou nas Bahamas, na ilha que hoje se chama Watlings.